Já imaginou se você pudesse produzir uma nova vida? 

Não me refiro ao processo natural através do qual um homem e uma mulher se unem e, juntos, geram e gestam um novo ser humano; mas a algo como uma receita de bolo em que você adiciona ingredientes selecionados, para dar o sabor e o aspecto que você quiser, ou como uma reação química produzida em um laboratório.

Se você já leu o livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, então você já deve ter feito esse exercício imaginativo e agora provavelmente não teve dificuldade para recorrer novamente àquelas imagens.

De toda forma, caso não lembre ou não tenha lido ainda, eu vou ajudar. 

Logo no primeiro capítulo, Huxley traz uma cena em que o diretor do Centro de Incubação e Condicionamento recebe um grupo de novos estudantes e lhes apresenta como funciona o processo:

"— Vou começar pelo começo [...]. — Isto — agitou a mão — são as incubadoras. —- E, abrindo uma porta de proteção térmica, mostrou-lhes o porta-tubos empilhados uns sobre os outros e cheios de tubos de ensaios enumerados. — A provisão de óvulos para a semana. Mantidos à temperatura do sangue; ao passo que os gametas masculinos — e abriu outra porta — devem ser guardados a 35º, em vez de 37º. A temperatura normal do sangue esteriliza. Carneiros envoltos em termogênio não procriam cordeiros.

[...]continuou com uma exposição sumária da técnica de conservação do ovário, seccionado no estado vivo e em pleno desenvolvimento; passou a considerações sobre a temperatura, a salinidade e a viscosidade ideais; fez alusão ao líquido em que se conservam os óvulos desprendidos e maduros; e, levando os alunos às mesas de trabalho, mostrou-lhes até como se retirava esse líquido dos tubos de ensaio; como o fazia cair gota a gota sobre as lâminas de vidro, especialmente aquecidas, para preparações microscópicas; como os óvulos que ele continha eram inspecionados com vista em possíveis caracteres anormais, contados e transferidos para um recipiente poroso; como (e levou-os a observar a operação) esse recipiente era mergulhado uma segunda vez e, se necessário, uma terceira; como os óvulos fecundados voltavam às incubadoras onde eram conservados [...]."

"Assustador!", foi o que eu pensei assim que li essa parte da obra pela primeira vez.

Um leitor cético poderia pensar: "Tá, mas isso é algo muito distante, é inverossímil. Os detalhes e mecanismos para que isso pudesse funcionar são infinitos. Nem em um século o homem teria como desenvolver uma tecnologia desse tipo."

"E nem deveria...", no caso da pessoa já ter alguma noção do problema.

Mas aparentemente não só é possível, como há cientistas tentando fazer o processo funcionar e, como estão dizendo, já é uma realidade próxima.
Cientistas ao redor de todo mundo estão trabalhando para desenvolver sistemas que emulam o útero humano, um útero artificial, para que o corpo da mulher não seja mais tão necessário na geração de novas vidas.

Já são relativamente antigos alguns estudos onde se busca desenvolver um dispositivo mais complexo que permita completar a gestação de bebês nascidos bem prematuramente (não confundir com as incubadoras já utilizadas nos hospitais). Inclusive já há relatos de testes bem sucedidos com cordeiros e outros animais.

O grande problema é que a "Ciência", como uma entidade independente e superior, à qual as pessoas gostam de se referir com tanta devoção em nosso tempo, não descansa e não se satisfaz.

A ideia agora é viabilizar a gestação de forma totalmente independente do útero feminino, desde a concepção — ou a simples fabricação — até o nascimento, que não seria nada mais que a entrega de um mero produto.

O mundo distópico imaginado por Aldous Huxley já se aproxima cada vez mais da nossa realidade, como se fosse uma previsão detalhista — ou um manual no qual os nossos cientistas contemporâneos se baseiam, quem sabe...

Bem, podem alegar que projetos desse tipo visam unicamente a salvação de vidas que poderiam ser perdidas pelo nascimento prematuro. Quem iria se opor?

Mas vão parar por aí? Quando, na história da humanidade, desde o Éden, o homem já "parou por aí"?

As próprias pessoas que estão cuidando das pesquisas nos dizem abertamente quais são suas reais intenções.

Um dos pioneiros no estudo da ectogênese, o biotecnólogo alemão Hashem Al-Ghaili, nos dá uma pista. Segundo ele, isso "ofereceria uma maneira para os pais produzirem bebês personalizados" — opa, espera aí!

O objetivo não era garantir a sobrevida de bebês que nascerem prematuramente? Parece que não é só isso: é transformá-los em bonecos, artigos de luxo, comercializáveis até.

Então o que se pretende fazer é mesmo como uma receita de bolo. O bolo é meu, eu escolho como ele vai ser: uma inteligência acima da média; a pele mais clara ou mais escura; os olhos verdes; o porte atlético; mais baixo; mais alto — como eu quiser.
Façamos humanos que não precisem ser plenamente humanos e sem, para isso, precisarmos de outros humanos — já imaginou?
O ser humano adora brincar de Deus.

É como se nós buscássemos constantemente novos e inovadores modos de refazer a queda dos nossos primeiros pais, cedendo, todos os dias, à tentação da serpente: ser como Deus.

No fim, e parece que é isso que buscamos, com todos os "avanços", nós abandonaremos tudo o que nos faz humanos e seremos, então, plenos, como previu Aldous Huxley:

"O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem."

Que Deus nos livre de tudo isso ...Rossana Brasil Kopf psicanalista e advogada