Com certeza você já ouviu a frase "você é o que você come", mas já refletiu a respeito dela?
Há uma crença antiga que era comum a diversos povos nativos e primitivos ao redor do mundo segundo a qual nós poderíamos absorver todas as qualidades dos alimentos que consumimos — sejam elas físicas, morais ou até espirituais.
Era por isso que, por exemplo, alguns povos consumiam pata de urso ou os dentes de algum outro animal para absorver sua força.
Também há o exemplo de tribos antropofágicas cujos indivíduos, após derrotarem seus inimigos em combate, alimentavam-se de partes dos seus corpos para adquirir determinadas virtudes e habilidades.
Os próprios tupinambás, uma das etnias predominantes aqui no Brasil, acreditavam que ao comer o coração de um inimigo, eles adquiriam a sua coragem e bravura, enquanto o cérebro era ingerido para absorver a sua inteligência e seus conhecimentos, etc.
Hoje em dia as pessoas, sobretudo aquelas envolvidas com nutrição e bem-estar, frequentemente usam essa famosa frase para destacar a importância de se adotar uma alimentação saudável e equilibrada para manter um bom estado de saúde.
Mas, nesta Carta, tendo em vista o que vínhamos conversando na semana passada a respeito do controle social através dos alimentos, eu vou me aproveitar da sentença "você é o que você come" para que nós reflitamos sobre um assunto específico.
Considerando a crença antiga de que falávamos agora, que talvez tenha dado origem à frase, e o contexto em que ela é usada hoje, eu me faço uma pergunta: se nós a levarmos em conta para escolher melhor aquilo que ingerimos em nossa dieta, como, então, aqueles que querem definir o que comemos nos enxergam?
Se nós somos o que comemos, o que eles pensam que nós somos ou querem que nós sejamos, a partir do que desejam impor que comamos?
Explico. Recentemente, e você já deve ter tido notícia, a ONU lançou uma proposta "inovadora" para alimentação: o consumo de insetos como fonte de proteína.
Lembra das alegações utilizadas para aumentar a taxação dos criadores de gado e os incentivos para reduzir sua produção . Essas coisas não são independentes, não acontecem por acaso.
A idéia por trás dessa nova proposta é promover uma alternativa supostamente "sustentável e saudável" para a alimentação, reduzindo a dependência da carne, cuja produção é "prejudicial" ao meio ambiente.
Os seus defensores destacam a riqueza nutricional dos insetos, além da sua segurança e o potencial para reduzir a fome global. Basicamente: coma insetos, polua menos e alimente as pessoas de forma barata — será mesmo?
A última justificativa reside no fato de que esses animais se reproduzem mais rapidamente, necessitam de espaços menores para serem mantidos e menos alimento para o seu desenvolvimento.
Mas um país inteiro vai sustentar seu povo se as pessoas saírem cozinhando os insetos que encontrarem por aí? Isso não é suficiente. Então é preciso desenvolver uma espécie de "agricultura" neste sentido ou as "fazendas de insetos" que já existem em alguns países.
Mas mesmo isso depende de reservatórios de água (ainda que os bichinhos bebam menos, milhares deles para substituir animais maiores precisarão de muita água, não?); além de terra; espaço para criação; pesticidas (sim, pois os insetos também se contaminam); um sistema bem planejado de distribuição; combustível; embalagens...
Tudo isso não fica muito barato, não é?
"E quanto à segurança e à riqueza nutricional?
Bem, isso talvez pudesse ser respondido com uma simples pergunta: nós, realmente, sabemos tudo o que precisamos a respeito deles?
Vamos lá, vamos admitir que, sim, que eles sejam uma fonte maior de proteína e outros nutrientes do que a carne de gado, porco, etc. Digamos que, quanto a isso, nós talvez não tivéssemos o que falar.
Mas é mesmo seguro? Além disso, ésimples assim modificar as tradições alimentares, que são construídas a partir de implicações culturais e sociais por gerações, até que cheguem aos moldes do que se come hoje nos diferentes lugares?
Todos os diferentes povos teriam o mesmo preparo fisiológico para comer exatamente as mesmas coisas? Sim, há lugares do mundo em que as pessoas se alimentam de insetos, mas isso é seguro para todos?
Pelo mesmo motivo nós não podemos comer todo tipo de animal silvestre: há povos ou comunidades que ingerem naturalmente determinados animais que poderiam causar a pessoas como eu e você uma espécie de envenenamento ou intoxicação alimentar.
Pesquisando um pouco, qualquer um pode encontrar informações que mostram que a alimentação com insetos não é tão segura assim. Existe, por exemplo, um grande potencial de desenvolver reações alérgicas graves; pessoas que sofrem de alergia a frutos do mar não devem nem pensar em comer insetos, pois as substâncias alergênicas presentes nas suas cascas são as mesmas ou bem similares.
Neles também se encontram os mais variados tipos de bactérias, vírus, fungos e parasitas que são bastante conhecidos por causar doenças a humanos. E, além disso, já está sendo mencionado, em alguns estudos, um grande potencial carcinogênico — o risco de causar câncer — na sua ingestão.
Há ainda um risco bastante ignorado — ou nem tanto: boa parte dos insetos são pragas e vetores de diversas doenças, conhecidas e desconhecidas. O que aconteceria se, por acaso, por acidente, por uma fatalidade, algumas dessas criações ou fazendas de insetos saíssem do controle e milhões e milhões, em quantidades que não se encontram naturalmente, deles fossem soltos no ambiente?
Só tente imaginar...
A verdade é que nós não sabemos praticamente nada a respeito da segurança de substituirmos a carne, que faz parte da cultura de milhares de povos, por insetos. Mas isso não muda nada.
É bem provável que daqui para a frente o discurso em favor desse projeto "inovador" só seja fortalecido, como algo mais seguro, sustentável, acessível e de grande valor nutritivo — mesmo que seja tudo falso.