|
Autor:
Pe. Almir Magalhães
Sacerdote e Pedagogo |
RELIGIOSIDADE x INJUSTIÇA
Vivemos
hoje um grande paradoxo: de um lado a explosão
do fenômeno religioso da sociedade moderna
e “pós-moderna” e de outro
a injustiça social, como algo extremamente
normal.
Apesar
de os mestres da suspeita Marx, Nietzsche e
Freud através de seus escritos, haverem
decretado a morte de Deus na perspectiva da
emancipação do homem, assistimos
hoje, espantados, a uma busca desenfreada por
religiosidades marcadamente emotivas, com uma
expressiva presença na mídia,
a multiplicação dos mais diversificados
templos a cada esquina e o próprio espaço
que a mesma reconquista na sociedade.
Este
já reconhecido retorno do religioso configura-se
com um novo rosto, predominando nele um estilo
utilitarista. O recente doc. 87 da CNBB (Diretrizes
Gerais, 2008-2010), ao analisar esta situação,
afirma que o perfil da religião hoje
acaba por oferecer um bem estar interior, terapia,
sucesso na vida e nos negócios e que
esta modalidade de religião é
muito procurada pela mídia, que acaba
por reduzi-la a mais um espetáculo (cf.nº.39).
Segundo o teólogo Mário de França
Miranda, isso leva ao desinteresse pelo bem
comum e pelas grandes causas e ao mesmo tempo
esta irrupção do religioso pode
estar querendo nos dizer que o ser humano não
consegue suportar uma sociedade totalmente secularizada
(isto é, sem Deus).
Neste
retorno do sagrado, há uma tendência,
em alguns setores da sociedade, em admitir a
prática religiosa apenas na esfera privada,
com base em uma sociedade laicista e que acaba
por criticar as manifestações
da Igreja em matéria de moral e a sua
presença na vida pública, destituindo
a religião e as Igrejas da dimensão
profética e por outro lado desconhecendo,
numa sociedade pluralista e democrática
como a nossa, a liberdade de as Instituições
manifestarem seus ideais e colaborarem na construção
da história.
A grande questão é que tudo isso
acaba dando um CORPUS, uma configuração
à religiosidade hoje, que estranhamente
convive com a injustiça, com a miséria
e outras formas de desumanização,
sem articular seus adeptos para a mudança,
para a transformação desta situação.
É muita religiosidade, muita busca de
Deus e paradoxalmente muita injustiça,
muita miséria, muita fome, muita exclusão
social, falta de ética, corrupção,
morte prematura, tudo isto contemplado por quem
reza muito, por quem ora muito, por quem tem
a oportunidade de se formar biblicamente, por
quem se reúne tanto, por quem recebe
o Cristo Eucarístico, por quem participa
do Mistério Pascal (Missa) e dos respectivos
cultos e principalmente por quem preside estes
cultos em suas respectivas comunidades.
No
caso do cristianismo, podemos lembrar da prática
de Jesus que, no início do seu ministério,
era seguido por multidões. Mas a partir
do momento que começa a colocar as exigências
para o seu seguimento a situação
muda. Esta realidade é de fácil
constatação no Evangelho de João,
depois da realização do quinto
sinal (Jesus caminha sobre as águas).
Logo em seguida, transmite a mensagem do pão
da vida na Sinagoga de Cafarnaum. Após
ouvirem essas coisas, muitos discípulos
de Jesus disseram: “Esse modo de falar
é duro demais. Quem pode continuar ouvindo
isso?” Jesus sabia que os discípulos
estavam criticando o que Ele tinha dito. Então
lhes perguntou: “Isso escandaliza vocês?
As palavras que eu disse a vocês são
espírito e vida. Mas entre vocês
há alguns que não acreditam.”
A partir desse momento, muitos discípulos
voltaram atrás, e não andavam
mais com Jesus. ( Ver João, 6, 60-66).
Fazendo
uma ponte entre este trecho de S. João
e a realidade religiosa hoje, nota-se que muita
gente não se sente aberto para escutar
vozes proféticas as quais chamam a atenção
para a configuração de uma experiência
eclesial que atualize a memória de Jesus
Cristo. Elas apontam para o sofrimento de milhares
de irmãos nossos que encaram a vida a
partir unicamente da ótica da sobrevivência
e portanto sem dignidade e perante a nossa insensibilidade
diante dessa realidade. É uma verdade
inconteste que sempre há algum trabalho
pelos pobres, mas como destinatários
de nossas esmolas e não como sujeitos,
protagonistas que precisam crescer.
Vozes proféticas convidativas a um novo
estilo de pastoral que não se reduza
à Matriz paroquial e que parta das comunidades,
que passam a ser o eixo de articulação
da estrutura eclesial, que clamam por um jeito
circular de ser Igreja, eliminando-se assim
toda forma de autoritarismo, de relação
senhor x escravo.
Convido a retomar, a partir daqui, todo o ensinamento
de Jesus, confrontando-o com a experiência
religiosa hoje, como já foi dito, marcada
por características não articuladas
com o compromisso para se fazer valer uma história
que não tenha como valor supremo o mercado
e o lucro, gerador de exclusão, tornando
as pessoas em objetos desprezíveis.
Tudo
indica que a grande questão hoje chama-se
CONVERSÃO-ABERTURA: Uma mudança
radical de nossa mentalidade apegada a estruturas
e que acham que lutar contra as injustiças
não faz parte da nossa agenda porque
não diz respeito à religião
(e vamos mantendo o que já existe). Se
não fazemos hoje como os discípulos
do Evangelho acima citado, que abandonaram Jesus
e não mais o seguiam é porque,
como disse o Papa Bento XVI, estamos diante
de nossa maior ameaça que “é
o medíocre pragmatismo da vida cotidiana
da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede
com normalidade, mas na verdade a fé
vai se desgastando e degenerando em mesquinhez”
(Doc. Aparecida , nº.12).
Vamos
portanto partilhar o modo de vida do mestre,
assumir o seu destino.
PADRE
ALMIR MAGALHÃES.
Pe.
Almir
é sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza,
Reitor do Seminário Arquidiocesano São
José (Filosofia), e colunista do site
do bairro Antônio Bezerra.
Comente esse artigo
Untitled Document
|