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Autor:
Pe. Almir Magalhães
Sacerdote e Pedagogo |
OS
POBRES SÃO NOSSOS JUÍZES
No
começo de março, a sociedade fortalezense
foi surpreendida com uma cena intrigante.
O
cenário: a periferia de Fortaleza, mais
precisamente Jangurussu. Os protagonistas –
uma comunidade, a família de um falecido
e uma atriz principal, a Sra. Maria José.
A imagem: um morto- Sr. José Carlos,
sendo conduzido do Jangurussu até o Serviço
de Verificação de Óbitos
num carrinho de reciclagem, mesmo instrumento
que deu o seu sustento e de suas filhas quando
em vida.
As
imagens veiculadas pela mídia nos dias
6 e 7 de março, produziram um verdadeiro
impacto na opinião pública, gerando
nas pessoas um misto de indignação,
porque expressavam a miséria e o descaso
com os que não contam.
Ao
mesmo tempo, o gesto profético da família
e dos amigos denunciava a situação
degradante, enviando um recado para toda a sociedade,
como se tivesse escrito no epitáfio do
Sr. José Carlos: “comigo já
não há mais jeito, mas fica o
protesto, o gesto político e profético
de minha família e de meus amigos que
não aceitaram calados tal situação”.
Portanto, a pobreza aqui se manifestou, disse
a sua palavra. Algo incomum.
Se
a morte do agente de reciclagem José
Carlos questiona nossa macroeconomia que gera
exclusão social e, no caso, miséria
absoluta, questiona também a forma da
tímida presença da Igreja junto
aos mais pobres.
Lembrei-me
da cena do Evangelho de Lázaro e do Rico
Epulão (Lc. 16,19-31), quando o rico
suplica a Abraão que mande Lázaro
à casa de seu pai, porque tinha cinco
irmãos mandando preveni-los para não
virem para o lugar de tormento em que se encontrava.
Abraão respondeu: “Eles têm
Moisés e os profetas: que os escutem”!
(Lc. 16, 27-30). Neste Evangelho e no de Mateus
25, 31-46, os pobres são indicados como
parâmetro do julgamento de nossas ações.
Na
realidade, o gesto em tela, interpela toda a
sociedade e chama a atenção pela
insensibilidade à situação
de sofrimento que atinge tantas pessoas, que
vivem no mundo da insignificância como
o senhor José Carlos, mas de maneira
especial interpela a ação evangelizadora
da Igreja, que diante dessa realidade, precisa
discernir quais os apelos que Deus nos faz neste
momento da história.
Tenho
refletido neste espaço sobre a nossa
prática pastoral, onde se gasta mais
tempo com os que já estão engajados
e numa pastoral de manutenção.
Com base no Magistério da Igreja que
trata do assunto e de reflexões pastorais,
tenho sugerido que, processualmente, deveríamos
construir uma Igreja com rosto missionário,
que vai ao encontro de nossos irmãos
e irmãs que estão no espaço
territorial das Paróquias e Áreas
Pastorais, priorizando os mais pobres, as vítimas
da exclusão.
Quando
da construção do Plano de Pastoral
da nossa Arquidiocese, foi constatado que temos
uma Igreja voltada sobre si mesma, de manutenção,
que se reduz ao Templo, com tímidas iniciativas
nas questões sociais. Entretanto, consta
no objetivo de nossa Arquidiocese aprovado desde
2003 e mantido no atual plano, que nós
devemos edificar, a serviço da dignidade
humana, uma Igreja samaritana (cf. Objetivo),
o que significa dizer que devemos ter toda a
atenção para com os caídos
da nossa sociedade.
Percebo
a alegria de alguns Agentes de Pastoral ao afirmarem
que suas Igrejas estão cheias nos finais
de semana, contentíssimos com a contabilidade
da freqüência no terço dos
homens, satisfeitíssimos com os louvores
a Deus, mais ainda com as celebrações
dos dias 13 de cada mês e outras iniciativas
que devem continuar.
Reconheço
também que sempre houve, por parte da
Igreja, algum interesse pelos pobres, sobretudo
na linha assistencialista e emergencial, por
vezes necessárias. Como pastoralista,
percebo nestas iniciativas valores e, sobretudo
respeito a pluralidade de expressões.
Com certeza, encontramos nas inúmeras
iniciativas da Igreja coisas importantes. Parece,
no entanto, que falta alguma coisa e o que está
faltando não é pouco.
A
Igreja é PERITA EM HUMANIDADE
e deve ter como caminho o homem, porém
não está colocando como foco e
ótica de sua missão a centralidade
evangélica dos pobres.
Recentemente,
o documento de Aparecida, recuperou a opção
preferencial pelos pobres como uma opção
evangélica, implícita na fé
cristológica (DA, 393) e que o preferencial
implica que deva atravessar todas as estruturas
e prioridades pastorais (DA, 396). Chama a atenção
para o risco de ficar em plano teórico
ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência
em nossos comportamentos e em nossas decisões.
(DA, 397).
Fica,
pois, um convite para os Agentes de Pastoral,
que têm uma responsabilidade com a missão
evangelizadora: que assumamos a evangélica
opção pelos pobres, mesmo conscientes
dos limites de nossas ações, no
que diz respeito à solução
dos gritantes problemas que afligem nossa sociedade.
No mínimo, se formos presença
junto a eles, poderemos fazer coro com o Evangelho
“Somos servos inúteis; fizemos
o que deveríamos ter feito”. (Lc.
17,10).
PADRE
ALMIR MAGALHÃES.
Pe.
Almir
é sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza,
Reitor do Seminário Arquidiocesano São
José (Filosofia), e colunista do site
do bairro Antônio Bezerra.
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